5 de jan. de 2012

Genocídio silencioso: a perseguição aos católicos na Europa na primeira metade do século XX


Terceira parte: Espanha (1931-1939)

Quarta parte: Alemanha e territórios ocupados pelos nazistas


Resumo
O presente artigo tem o objetivo de demonstrar, através da revisão bibliográfica das obras de diversos autores especializados na história da perseguição aos católicos contemporâneos e história da Igreja, a tentativa de uma eliminação sistemática sofrida pelos católicos da Europa nas primeiras décadas do século XX, com destaque para a Espanha, URSS e países do bloco soviético e para a Alemanha nazista e as nações dominadas pelo nazismo. Esta perseguição foi motivada por ideologias laicistas, materialistas e ateias que surgiram durante os séculos XVIII e XIX e que influenciaram os regimes democráticos e totalitários do século XX. Estes fatos na história da Igreja Católica geram pouca repercussão nos organismos internacionais e veículos de comunicação, na historiografia e, principalmente, é evidente o descaso às vítimas católicas deste genocídio no ensino de História.

Palavras-chave: Perseguição aos católicos. Igreja. Totalitarismo. Comunismo. Nazismo.


Introdução

A perseguição aos católicos – e aos cristãos em geral – sempre foi um fato constante desde o surgimento da Igreja. As histórias dos mártires apresentados como modelos de perfeição cristã mostram isto, mas o século XX foi pródigo em regimes e ideologias que procuraram sistematicamente exterminar a Igreja Católica. Em nenhuma outra época da História os católicos foram tão perseguidos, torturados e mortos através de meios estatais. Como afirma Royal (2001), um verdadeiro genocídio pouco documentado pela História geral e pouco divulgado pela grande mídia. Portanto, um genocídio silencioso. Apesar de não se saber ao certo o número de vítimas,

Um universitário americano, David B. Barett, diretor da seriíssima Christian World Encyclopedy, julgou poder apresentar o número de 40 milhões de mártires cristãos desde a época de Cristo até hoje, dos quais 26,7 no século XX (DELUMEAU, 2007, p. 36).

Já no início do século, a Revolta dos Boxers, na China, vitimou 30 mil cristãos, incluindo cinco bispos e dezenas de padres. Entre 1915 e 1917, número semelhante de leigos foi morto pelos turcos otomanos na Armênia, juntamente com sete bispos, 126 padres e 47 freiras. Outra onda de perseguição que merece destaque aconteceu no México após a revolução de 1917, sobretudo no governo de Plutarco Elias Calles (1924-1928) onde foram mortos e expulsos centenas de padres e assassinados cerca de 5300 leigos (ROPS, 2006, p. 437). Apesar de as perseguições terem ocorrido em todas as partes do planeta durante todo o século XX, esta tentativa de aniquilar a Igreja mostrou-se mais violenta na Europa, especialmente durante a primeira metade do século XX. As raízes que levaram os diversos regimes a combaterem os católicos encontram-se nos dois séculos antecedentes. Desde o Iluminismo no século XVIII, passando pelas ideologias materialistas e ateias do século XIX, que culminaram no liberalismo, no nazismo e no marxismo, concepções filosóficas e políticas inspiraram o extermínio da Igreja.

Por mais antagônicas que estas ideologias possam ser ou pareçam ser, todas têm em comum o fato de considerar a Igreja Católica “como reacionária, opositora do progresso social e apologista de várias formas de exploração, acusada de inimiga da humanidade, e que, portanto, deveria ser eliminada para ceder lugar a uma sociedade melhor” (ROYAL, 2001, p. 26).

Foram os filósofos do Iluminismo francês do século XVIII que iniciaram a ferrenha campanha moderna anticatólica. Atrelada ao Antigo Regime, a Igreja foi taxada como aliada da nobreza e inimiga do povo. Voltaire é, senão a principal, a mais conhecida personalidade do Iluminismo. Segundo Gray (1999, p. 7), Voltaire passou toda a vida pregando uma fé secular, procurando a substituição do cristianismo pela crença humanista e instigando, para isso, uma paradoxal intolerância e violência tão combatidas pelo filósofo. Tornou-se famosa a expressão de Voltaire referindo-se à Igreja: “Esmaguem a Infame”. Os revolucionários franceses tentaram cumprir à risca esta ordem e como a Igreja Católica não é uma abstração, mas é composta de homens e mulheres, estes foram as vítimas do conselho de Voltaire posto em prática. Neste caldo filosófico, explode a Revolução Francesa, cujos ideais liberais incluíam a eliminação da Igreja.

Discípulos dos filósofos e dos enciclopedistas, os revolucionários inspiraram-se diretamente nos seus ensinamentos, e, tal como eles, foram unânimes, apesar das suas divergências, em querer eliminar o cristianismo e obrigar a bater em retirada o Deus revelado dos cristãos (ROPS, 2003, p. 486).

Se não poderia ser eliminada, ao menos, a Igreja deveria ser submissa ao Estado francês, como ficou claro na Constituição Civil do Clero (1790). Os clérigos e religiosas que não prestaram juramento à Constituição foram perseguidos e guilhotinados.

A Revolução Francesa abriu caminho às demais ideologias que defendiam a eliminação da Igreja. Os pensadores do século XIX consideravam-se herdeiros dos iluministas e “por todo o século irão desenvolver-se, sempre no sentido da irreligião total, doutrinas que culminarão naquilo que, [...] Nietzsche, profeta do abismo, definirá numa palavra inesquecível: a morte de Deus” (ROPS, 2003, p. 487).

O plano destes pensadores era desonrar a Igreja, desacreditá-la perante o povo e a opinião pública. A crítica racionalista pôs em xeque o Jesus histórico e as bases da Igreja. O anticlericalismo dominou a literatura e a imprensa. A historiografia fornecia uma poderosa arma: espalham-se os horrores da Inquisição, o processo de Galileu, a papisa Joana, a libertinagem dos Bórgias e a civilização cristã da Idade Média é apresentada como cruel, ignorante e obscura (ROPS, 2003, p. 513).

Várias correntes de pensamento pregavam o fim da religião como um todo e da Igreja Católica em particular. Destas, as que influenciariam todo o Ocidente no próximo século seriam o positivismo e o marxismo. O francês Auguste Comte desenvolve o positivismo, onde afirma que a religião – ou estado teológico – está ultrapassada e agora tudo deve ser explicado pela observação do real, pela experimentação e pela técnica. Comte institui a religião da humanidade cujo deus é o homem. Na doutrina filosófica de Karl Marx, a religião aparece como uma superestrutura do capitalismo que deve ser eliminada, pois é a principal causa da alienação do homem, é “o ópio do povo”. No desenvolvimento da sociedade comunista, a religião desapareceria porque não haveria razão de existir (ROPS, 2003, pp. 505-506).

Assim, colocadas as bases do mundo contemporâneo sobre o materialismo, lugar em que a religião não tem mais lugar e a Igreja Católica é vista como a maior ameaça e obstáculo na construção e avanço desta nova sociedade laicista, inicia-se, sob a morte de Deus preconizada por Nietzsche, o século XX que seria palco das piores atrocidades contra os católicos, vítimas de espoliações, humilhações, abusos, torturas e assassinatos jamais vistos em toda a História da Europa.



Leia a continuação deste artigo:

Segunda parte: URSS e países do Leste europeu

Terceira parte: Espanha (1931-1939)

Quarta parte: Alemanha e territórios ocupados pelos nazistas



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